segunda-feira, 18 de julho de 2011

Duas rodas, mente e coração

Outras Palavras

Assim como o auditório do Teatro Paulo Autran, os bicicletários do Sesc Pinheiros, no Largo da Batata, em São Paulo, ficaram lotados na última terça-feira (12/7). Pode-se dizer que o principal responsável pelo número de pessoas era David Byrne, guitarrista da banda Talking Heads, cicloativista, escritor e organizador do Fórum “Cidades, bicicletas e o futuro da mobilidade”, realizado no local. Mas o que mais parecia reunir os participantes era o tema, tão presente na vida dos paulistanos: a mobilidade urbana. Muitos dos que participaram do encontro compartilham a ideia de que a bicicleta é a melhor alternativa ao trânsito caótico, à poluição e à ocupação das ruas – sentimento crescente em grandes cidades nos últimos anos.




Além de Byrne, estavam presentes Arturo Alcorta, cicloativista do site escoladebicicleta; Marcelo Branco, secretário de Transportes do município de São Paulo e Eduardo Vasconcellos, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Os participantes tinham apenas quinze minutos para falar sobre mobilidade urbana, e abrangeram diversos assuntos ligados ao tema. As bicicletas e a cidade de São Paulo ficaram no centro das discussões na maior parte do tempo.



David Byrne baseou sua apresentação em algumas fotos de lugares por onde passou, de Los Angeles à Itália, ao centro de São Paulo. Começou comentando algumas fotos de seu país, mostrando avenidas largas, prédios altos, ruas vazias… Um modelo urbanístico que, segundo ele, é insustentável e isolador. Baseou-se em projetos de arquitetos e urbanistas do século 20, que tinham como principal objetivo tirar as pessoas das ruas. A cidade imaginada pela General Motors – maior empresa do mundo à época – é a que mais produz calafrios, com suas avenidas largas monumentais. Mas também as visões de urbanistas mais ligados ao mundo da cultura e das artes – Le Corbusier, Frank Lloyd Wright e Fuller – submetem-se ao mesmo ideal: prédios muito altos, ninguém na rua, avenidas que facilitam o fluxo de automóveis e um grande e generalizado tédio. Praticamente citando Jane Jacobs em seu livro “Morte e vida de grandes cidades”, Byrne contesta: seres humanos gostam de estar na rua e é lá que devem ficar; temos de devolver a cidade às pessoas. Estamos usando muito espaço para a infra-estrutura necessária para automóveis, é só prestar atenção em quanto espaço morto é reservado apenas para estacionamentos.



Ilustrando formas de como fazer isso, ele mostra fotos de favelas brasileiras pintadas por artistas plásticos, resignificando o espaço urbano; sistemas de bicicletas compartilhadas (como em Paris e Buenos Aires); ruas mais estreitas, que encorajam as pessoas a estar e transitar por elas… E termina com um dado de Nova York, sua cidade: apesar de parecerem contraditórios, os números mostram que quanto mais pessoas usam bicicleta como meio de transporte, menos acidentes ocorrem. Esse tipo de mudança, acredita Byrne, é mais bem-vindos na América Latina que na do Norte.







Praticamente contradizendo David Byrne, Arturo Alcorta fez sua fala voltado pra o Norte. Contou que acabava de voltar de Nova York, com uma péssima impressão de nosso país. Estava assustado com a “incapacidade dos brasileiros” de conseguir transformar suas cidades para o bem. Para este cicloativista, perdemos a noção do que é mobilidade e, acima de tudo, do que é uma cidade. Existentes há séculos, elas foram feitas para juntar pessoas, não para afastá-las. Como construir uma cidade nos dias de hoje? A resposta: com união, estrutura, legitimidade, de acordo com sua necessidade, respeitando o passado e buscando resultados perenes.



Mais adiante (e menos fixada no norte…) a fala de Alcorta reforça a de Byrne: temos que trazer as pessoas para as ruas por meio da informação, da cultura e da participação. Com a falta de interesse atual, não conseguiremos mudar. Em seu site, o debatedor, ciclista há décadas, reúne textos que ajudam pessoas que queiram aprender a andar de bicicleta na cidade. Tira dúvidas e oferece dicas essenciais, ajudando quem tem interesse pelo assunto mas ainda está inseguro. No final, expõe o nome de Meli Malatesta, a responsável na Prefeitura de São Paulo pelas ciclovias da cidade.



Provavelmente por ter sido vaiado de leve nas apresentações e percebido o tom do encontro, o secretário Marcelo Branco resolveu mudar sua fala. O que a princípio seria uma propaganda das poucas políticas de integração da bicicleta em São Paulo, virou uma conversa breve e até franca sobre a incapacidade histórica da maior cidade do país com relação à mobilidade urbana.



Branco manteve no projetor, durante sua breve exposição, um slide com uma frase de Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês que transformou Copenhage nos anos 60 – com um projeto que convertia uma grande avenida da cidade em uma rua apenas para pedestres. Mas o exemplo do urbanista ficou apenas na citação. Ao que parece, os projetos para São Paulo, ainda são muito tímidos. O secretário explicou que a Companhia de Engenharia de Tráfico (CET) foi criada nos anos 1980, especificamente para melhorar o fluxo do transporte individual. É muito difícil e leva tempo para transformar essa visão, segundo ele. Tentou demonstrar que entende a necessidade do incentivo das bicicletas na cidade, dizendo que é necessário dar ao cidadão o direito de escolher esse meio de transporte. Alegou que é importante compartilhar as vias no trânsito, pois segundo ela as ciclovias são uma forma de segregação. Defendeu a chamada “ciclofaixa de lazer”, e a “rota de bicicleta”, que consiste em pintar bicicletas nas ruas e propor aos motoristas que diminua a velocidade.



O mais aplaudido na conversa foi Eduardo Vasconcellos, da ANTP. Ligando sua fala à do Secretário de Transportes, começou dizendo que devemos abandonar conceitos antigos, principalmente o da eficiência. Precisamos começar a pensar na cidade e na mobilidade urbana com equidade, acima de tudo. Afirmou repetidamente que se todos são iguais, um ônibus, com o menor número de pessoas que tenha, deve ter muito mais prioridade que um automóvel individual: aí, sim, teremos uma cidade igualitária. Mostrou como nossos valores estão invertidos quando pensamos apenas no fluxo dos automóveis na cidade. E trouxe muitos dados: com relação ao consumo de espaço na mobilidade, enquanto um pedestre ou um ônibus ocupam 1m² do espaço público (relativo ao número de pessoas, no caso do coletivo), uma bicicleta 2m², e uma moto, 8m², um automóvel individual ocupa nada menos que 50m². Além disso, uma família de classe alta que tenha dois carros é responsável por 16 vezes mais acidentes que uma que não tenha nenhum. Isso é uma profunda falta de democracia e uma privatização do espaço público da cidade.



Como afirma Eduardo, isso só acontece porque é a classe dominante quem domina o transporte individual — e tira proveito dele — enquanto os demais sofrem as consequências. A opção está ligada a um projeto que associa desenvolvimento a automóveis, começou a ser imposto na década de 1940 e continua vigente até hoje — essa elite conserva poder. “Nós perdemos o primeiro tempo”, brinca Eduardo, mas temos que continuar jogando o jogo para não perder o segundo: lutando sempre pela democracia, cidadania e equidade. Sugere também algumas ideias para São Paulo, como baixar a velocidade em todas as vias, tirar das ruas 30% dos automóveis e dedicar esse espaço ao transporte público. Não será fácil, nem conseguiremos em dez anos, mas temos que seguir.



E o que fazer? Os quatro debatedores dizem, quase com as mesmas palavras, que devemos sempre imaginar qual futuro queremos. Mas apresentam alternativas que estão quase sempre nas mãos de governantes. David Byrne talvez esteja certo, ao dizer que a arte e a cultura levam as pessoas às ruas. Elas gostam de estar lá e talvez só precisem perceber isso: basta reparar nas marchas que estão se multiplicando pelas cidades brasileiras, uma apropriação doespaço urbano para reivindicar direitos. Mesmo a Virada Cultural de São Paulo ou a avenida Paulista, completamente lotada de gente na época do Natal, quando os prédios se enfeitam, são sinais. Se as ruas se mostrarem atrativas às pessoas, para que elas vão querer se trancar em condomínios fechados, automóveis e shopping centers?



Mas talvez a melhor lição do Fórum tenha sido a de Arturo, ao criticar a plateia por ter vaiado o secretário dos Transportes: não sejamos bipolares, as coisas não são boas nem ruins, são humanas. Ao tomar uma posição “nós contra eles” em relação ao pensamento mais ortodoxo, perde-se diálogo e todos, de alguma forma, são prejudicados.



Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT 

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